21.1.07

Do livro das oferendas...

Bertolt Brecht (1898-1956)


Ouve quando falas!

para o Pipo


Não digas muitas vezes que tens razão, professor!
Deixa que o aluno o reconheça.
Não puxes de mais pela verdade:
Ela não aguenta.
Ouve quando falas!



Dia quente

para o Paulo Andrade


Se viesse uma aragem
Eu podia içar uma vela.
Se não houvesse vela
Fazia uma com estacas e lona.


Dia quente. Com a pasta aberta sobre os joelhos
Estou sentado no alpendre. Um barco verde
Começa a distinguir-se através do salgueiro. À popa
Uma freira gorda, cheia de roupa. Diante dela
Uma pessoa de certa idade em fato de banho,
provavelmente um padre.
No banco do remador, remando com toda a força,
Uma criança. Como nos velhos tempos!, penso,
Como nos velhos tempos!

**

Remar, conversar

Cai a noite. Passam, deslizando,
Dois barcos articulados. Em cada um
Um rapaz nu: lado a lado remando,
Conversam. Conversando,
remam lado a lado.



Canções de amor

para a Sandra


I
Quando depois te deixei
E cruzei o dia
Só vi, quando a ver comecei,
Rostos de alegria.

E desde essa noite – aquela
Em que estás a pensar –
A minha boca é mais bela
Mais ligeiro o andar.

São mais verdes, desde que assim
Estou, bosque e campina,
E a água que cai sobre mim
Mais fresca e cristalina.

III
Sete rosas tem a roseira
Seis leva-as o vento
Uma fica, a derradeira,
P'ra me dar alento.

Sete vezes te chamo, sete,
Seis podes não responder
Mas à sétima, promete
Que vais aparecer.

IV
Meu amor deu-me um raminho
Com folhagem já morta.

Já o ano chega ao fim
Já o amor bate à porta.