18.1.07

DO LIVRO DAS OFERENDAS


As versões que se seguem, como já as de Rilke com que iniciei este «Poço de Babel», provêm de um conjunto de traduções de poesia que há poucos anos ofereci a amigos e amigas de uma causa comum. São quarenta e cinco poemas (incluindo os de Rilke já aqui inseridos), de várias épocas e línguas (poetas alemães, mas também místicos como Al Halladj ou Hadewijch de Antuérpia, e Emily Dickinson). Depois, iniciarei uma nova série em que irei dando a conhecer algumas centenas de traduções inéditas do alemão – a (quase) única língua de que traduzo poesia –, do século IX até hoje.



Reiner Kunze (ex-RDA, 1933– )

Desculpa

para Wagner Schwartz


Uma coisa é uma coisa
auto-suficiente

Supérfluo
o sinal

Supérflua
a palavra

(Supérfluo
eu)



Gottfried Benn (Alemanha, 1886-1956)

Março. Carta para Merano

para a Vina


Guardai, guardai as flores para quando eu
vier, esparzi então a espuma e o mar,
amendoeiras, forsítias, sol sem véu –––
ao vale seu brilho, ao eu o seu sonhar.

Eu quase inteiro, no fundo só fragmento,
eu sem essência, também sem fulgor,
presa fácil das horas de lamento;
seu nome, entregou-o ao esquecimento,
só às vezes o lembra, sem vigor.

E assim vai indo – vinde, flores, só quando eu
chegar. Eu busco, mas ando perdido –––
Ah, viesse ainda o reino, o do céu,
a sorte do instante conseguido!