5.10.07

DO OUTONO...

(Clique nas imagens para aumentar e ler os textos)




(Os poemas de Eichendorff e Hesse foram usados por Wagner nas Quatro Últimas Canções)





21.8.07

Gottfried Benn (1886-1956)

Einsamer nie...

Einsamer nie als im August:

Erfüllungsstunde – im Gelände

die roten und die goldenen Brände

doch wo ist deiner Gärten Lust?

(...)


Pino da solidão

Mês de Agosto, pino da solidão:
hora de plenitude – sobre os prados
os incêndios de ouro, avermelhados –
e as delícias do teu jardim, onde estão?
(...)

Em Setembro estou de volta!

_____________________________________

6.8.07


Else Lasker-Schüler
(1869-1945)

Desta poeta judia-alemã pode ler-se em português
Baladas Hebraicas. Edição facsimilada. Assírio & Alvim, 2002

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Johannes Itten (1888-1967)
Mestre de pintura
da escola da BAUHAUS

O círculo cromático de J. Itten



© Pintura: Ives Klein
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© Foto: Kazuya Akimoto
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Georg Trakl (1887-1914)


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POEMAS DA COR AZUL


Rolf Dieter Brinkmann

(1940-1975)


© Foto: Vina Santos
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5.8.07

Uwe Kolbe (1957- )

POEMA DE FIM DO VERÃO NO MEIO DO VERÃO


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(Foto: © Manuel Campos Vilhena)

ONDE ESTÁ A FELICIDADE?

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O «Mas» de Hölderlin:

... mas o que fica, é herança dos poetas.

(no poema «Andenken» / «Lembrança»)

O «pântano» primordial de Gottfried Benn:

Ah, não sermos nós o primitivo ser!
Núcleo de plasma num pântano quente.
Vida e morte, fecundar e nascer
Emanando de seivas, mudamente
(...)

(no primeiro poema de «Gesänge» / «Cânticos»)

29.4.07



Hölderlin
(1770-1843)

Como em dia de festa...

para a MGL e a Hélia


(versão tacteante, em busca de tom e cor para um novo Hölderlin em português...)

Como em dia de festa, quando o homem do campo
Sai pela manhã para olhar a sementeira, quando
Da noite quente desceram fogos refrescantes
Sem parar, e longe ainda se ouve a portentosa vibração dos ares,
De novo ao leito se acomoda o grande rio,
E o verde da terra se renova
E a chama do céu alegra
A cepa gotejante e no seu brilho
Crescem para o sol tranquilo as árvores do bosque ______

Assim se erguem em tempo propício
Aqueles que nenhum mestre até ao fundo forma,
Moldados só pela poderosa natureza, divinamente bela,
Omnipresente e rara na leveza do seu abraço.
Por isso, quando ela, em certas épocas do ano, parece dormir
No céu ou entre as plantas e os povos,
Também os rostos dos que adensam a palavra se entristecem,
Parecem estar sós, mas são sempre futuro.
E ela própria, futurando, repousa também.

Mas desponta já o dia! Esperei e vi-o chegar,
E o que vi, o sagrado, seja minha palavra.
Pois ela, ela mesma, mais antiga que os tempos
E senhora dos deuses de Ocidente e Oriente,
A natureza, acordou agora com fragor de armas;
E das alturas do éter até aos abismos,
Seguindo a firme lei das origens, gerado do sagrado caos,
Uma vez mais se sente
O júbilo da alma que tudo cria.

E como a chama que nos olhos do homem se acendeu
Ao conceber coisas sublimes, assim também
Se incendeia de novo com os sinais, com os feitos do mundo,
Um fogo na alma dos que adensam a palavra.
E o que outrora aconteceu sem quase ser sentido
Só agora é revelado,
E podemos chamar pelo nome as fontes da vida
Que a sorrir nos lavraram a terra
Em figura de escravos: pujança viva dos deuses.
Tens perguntas para eles? No canto sopra o seu ruah
Quando brota do sol do dia e da terra quente
Ou das vibrações troantes do ar, e de outras
Que, mais preparadas no fundo dos tempos
E mais grávidas de sentido, a nossos olhos mais legíveis,
Se passeiam entre céu e terra e entre os povos
São pensamentos do espírito do mútuo
Que culminam no silêncio da alma dos que adensam a palavra,

De tal modo que ela, ferida, há muito tempo
Hóspede da casa do infinito, estremece na lembrança
E, incendiada pelo fogo sagrado,
É-lhe dado conceber em amor a obra de deuses e homens,
O dom do canto, que de ambos dará testemunho.
Assim desceu, como dizem os que a palavra adensam,
Sobre a casa de Semele, presa do desejo de ver o deus,
O seu raio dardejante, e a mulher atingida
Pariu o fruto da portentosa vibração do ar, Baco, sagrado.

E por isso os filhos da Terra bebem
Agora o fogo celeste, sem perigo.
Mas cabe-nos, sob os trovões do deus,
A nós e a vós que adensais a palavra, permanecer de cabeça nua
E com a própria mão agarrar o dardo divino,
Ele mesmo, e oferecer à luz comum
a edénica dádiva que o canto oculta.
Pois se formos sem impostura, como as crianças,
E nossas mãos sem culpa,

Não as queimará o fogo puro do pai,
E no mais fundo âmago tocado, sofrendo as dores do mais forte,
No meio das tempestades do deus que do alto descem
Quando ele se aproxima, o coração não vacila.
Mas que fazer quando ___________

Que fazer?

E se eu disser

Que me aproximei para contemplar os do céu,
Eles mesmos me lançarão para o abismo dos vivos,
Para as trevas, a mim, falso oficiante, para que eu,
Com um canto de aviso, mate a sede aos que querem aprender.
Lá, nesse lugar ____________

12.4.07

Walther von der Vogelweide
(c. 1170-1228/1230?)
Médio Alto Alemão



ELEGIA

Ai de mim, para onde foram / os anos da minha idade?
Sonhei toda a minha vida, / ou será realidade?
Era mesmo verdadeiro / o que por vero tomei?
Se o era, andei a dormir, / agora já nada sei.
Agora, que estou desperto, / vejo que foi ilusão
o que antes eu conhecia / como a palma desta mão.
A terra e as gentes que a mim de pequeno me criaram,
agora acho-as tão estranhas / como se nunca existiram.
Os que comigo brincaram / estão velhos e cansados.
Os baldios hoje são searas, / os bosques estão cortados:
não corresse ainda a água / como outrora corria,
e juro que o meu desgosto / mui grande seria.
Hoje já mal me saudam / os meus amigos de antanho,
nunca pensei que i houvesse / um desconsolo tamanho.
Quando nos dias felizes / hoje me ponho a cismar
que deixei fugir assim / como uma rede no mar,
mais digo: ai de mim, coitado!

Ai, que jeito triste este / de a gente nova se dar,
dos que antes tão delicada / tinham a maneira de ser!
Hoje só sabem resingar: / ai, por que serão assim?
Para onde quer que me vire, / alegre não há nem um.
Dançar e rir e cantar / vão-se, de tanto cuidado:
nunca até hoje ninguém viu / bando tão acabrunhado.
Vejam só nossas mulheres / e os toucados que trazem:
e os garbosos cavaleiros / que trajos do campo usam.
Chegam de Roma inquietantes / letras para nos obrigar
a andar sempre de luto / e a nunca nos alegrar.
Era boa a nossa vida, / e o que me dá raiva agora
é ter de trocar por pranto / o nosso riso de outrora.
Até as aves dos campos / estão mais tristes cada dia,
que admira então, se eu próprio / perdi a minha alegria?
E assim vou falando, irado, / buscando, pobre de mim,
as delícias deste mundo - / as do outro já perdi!
E digo: ai de mim, coitado! /

Ai, fomos envenenados / com doenças a granel!
Já vejo o fel a boiar / no meio do doce mel:
o mundo por fora é belo, / branco, verde e encarnado,
mas por dentro é todo negro, / e pela morte ensombrado.
Quem por ele se perdeu, / que procure consolação:
com pequena penitência / achará a salvação.
Atentai bem, cavaleiros, / que esta causa é a vossa.
Vós, que usais elmos brilhantes, / e essa armadura grossa,
e também escudos fortes / e a espada consagrada.
Quisesse Deus que a mim / tal bênção me fosse dada!
Então este pobre homem / rica paga iria ter,
mas não de terras e ouro / que isso é cousa de senhor:
se assim fosse, eternamente / aquela coroa ia usar
que um soldado e sua lança / já puderam conquistar.
Pudesse eu nessa viagem / pelo mar ir embarcado,
ia cantar de alegria / e não dizer: ai, coitado,
e não dizer: ai, coitado.

18.3.07

Do Livro das Oferendas...



Durs Grünbein (1962- )



Imagens que ficam na retina (Sonetos)

para Jorge F. S.

IV
O que me trouxe aqui? Psique e a sua voz...
Para lá de vidro e muros ainda audível
Nos ecos da cidade. As coisas más
Esquecidas, se no que é incognoscível
Não formos logo ao fundo, basta o efeito
De um miar, de um tinir, de uma canção –
Um som a entrar pelos ossos. A vibração
Propaga-se às coisas, como nas pontes.
Gastam-se as ruas, e os canos, onde fores,
Terminam no ouvido, o lugar da saudade
Do que nas caves geme, nas pedras sentes.
Nós morreremos, sem eco, mas a cidade
Clama sempre por novos nomes nos corredores.



Wolf Biermann (1937- )








Precocidade

para Duarte Belo


Hoje de manhã, ainda eu estava bem aconchegado na cama,
um impertinente tocador de campainha arrancou-me do sono.
Furioso e descalço, fui à porta e abri.
Era o meu filho, que,
como era domingo,
tinha ido muito cedo ao leite.

Os que vêm cedo de mais não são vistos com bons olhos.
Mas nem por isso deixamos de lhes beber o leite.



Günter Eich (1907-1972)


Inventário

para Marcelo S.



Isto é o meu boné,
isto é o meu casaco,
aqui, as coisas da barba
no saco de linho.

Lata de conserva:
Meu prato, meu copo,
gravei na folha
o meu nome.

Gravei-o com este
precioso prego
que escondo de
olhares cobiçosos.

No saco do pão tenho
um par de peúgas de lã
e outras coisas
que não digo a ninguém;

assim, de noite, serve-me
de almofada para a cabeça.
Este papelão aqui, está
entre mim e a terra.

Mais que tudo gosto
da mina do lápis:
de dia escreve-me versos
que inventei de noite.

Isto é o meu bloco de notas,
isto é a minha lona,
isto é a minha toalha,
isto é a minha linha de coser.

(Num campo de prisioneiros, 1946)

Do Livro das Oferendas...

Hadewijch de Antuérpia
(1ª metade do século XIII)


Poemas Espirituais

para a Cinara


Nº 2

I
Muito em breve subirá
a seiva das raízes;
longe e perto, verdes
ficarão prados e jardins.
Não nos engana o nosso pressentimento:
basta ouvir o alegre canto dos pássaros.
Quem agora sair para os duelos do Amor,
quem não se poupar,
em breve triunfará.

II
Quem se entregar todo ao supremo Amor,
por tudo será recompensado.
Amor, imagem da Rainha Virgem,
a muitos enche o peito de coragem.
O iluminado segue todas as suas leis,
junta todos os pensamentos e forças
– para o Amor, é o sinal da sua acção –
e por mais arisco que ele seja,
ele o conquistará.

III
Mas Amor é quem domina, e a prova é
que ele desperta toda a nobreza interior,
é seu sustentáculo, só dele nasce a fidelidade
onde todos vós, no serviço de Amor, ides buscar forças.
Ele é a essência da verdadeira felicidade
que espanta toda a desgraça.
Peço-lhe que nos conceda a sua graça,
para que a si atraia a juventude
e esta se nos confie em Amor.

IV
Amor é a quinta-essência de todo o prazer,
o mais forte impulso.
Quem ama, a si chama o mais pesado destino
antes mesmo de reconhecer a natureza do Amor.
Antes de o receber no Amor,
ele passa por todos os altos e baixos;
sem descanso fica
até que Amor em amor o prende
e lhe ensina os seus prazeres.

V
Quem arde em desejo de Amor
ficará livre de toda a aflição;
é imortal quem for tocado pelo Amor
– seu nome, «A–mor», significa: liberto da morte –,
se cumprir o que manda Amor
e tratar de o manter.
Ele é a abundância de tudo,
pão da vida é o amor,
e supremo gozo.

VI
Mas agora as minhas novas canções
transformaram-se em grande lamento,
as canções que tanto cantei
para louvar a grandeza do Amor.
Não apelei bastante às minhas forças,
encontro-me em grande aflição
por não estar já de posse plena
das insuperáveis forças,
e por ela vencida desfruto do amor.

VII
Vou ter, sem dúvida, de deixar por cantar
o verdadeiro amor nos dias que me restam,
deixar o canto e a poesia
que me faziam feliz.
A sua lição ensinou-me
o verdadeiro amor,
e enquanto agora sofro,
ferida na alma,
murcho e envelheço.

VIII
De tal modo me esvaziou a coita de amor,
que para mais nada sirvo;
ele, que primeiro à sua escola me levou,
onde absorvi o seu mistério,
e que desde então de novo me roubou,
escondendo de mim o essencial.
Mas tudo isso aceito,
pois tudo o que dele recebi
era pura verdade.

IX
Se Amor me desse dias de nova felicidade,
em vez da velha tristeza dos dias!
Calaria então
as minhas muitas queixas,
e sem o amor viveria sempre,
em vez de em tristeza, em insegurança.
Eis a minha profissão de fé:
Que Amor sobre mim decida em absoluto,
que seja ele a força do meu destino.

X
É insuportável o meu sofrimento
por saber-me fora do círculo de Amor.
Mas Amor ouve os que o conhecem, os que se mantêm a seu serviço,
e na sorte como na desgraça
guardam na alma a sua lição.
Aqueles que sem vacilar o recebem
e a quem Amor em amor abraça,
permanecem, em verdade, no seu esplendor.

XI
Tal como a bela rosa, que, orvalhada,
floresce entre os espinhos, assim também
quem Amor serve atravessará a falsidade
e, confiante, vencerá tempestades.
Sem barreiras e sem abalos
crescerá por cima de todos os obstáculos;
É por isso que as almas indecisas
abdicam depressa do serviço de Amor,
enquanto as que ele preenche se lhe entregam livremente.

Quem quiser conquistar Amor,
terá de deixar os falsos mestres;
se as suas palavras no momento atraem,
depressa percebemos
como são enganadoras.



Poemas dispersos / Mengeldichten

para a Claire


Nº 17











Não estou nem magoada nem perturbada a ponto de não poder escrever,
uma vez que Aquele que vive é pródigo em nos conceder os seus dons

e, pondo em nós uma nova claridade, quer instruir-nos.
Louvado seja em todos os tempos e em todas as coisas!

Aquilo que o homem apreende na consciência nua da suprema contemplação é seguramente grande
– e é nada quando comparo o que apreendemos com o que nos falta.

É nesta falta que deve mergulhar o nosso desejo:
tudo o resto é, por natureza, mesquinho.

Aqueles cujo desejo penetra sempre mais fundo no alto conhecimento sem palavras do amor puro,
acham que essa falta é sempre maior

à medida que o seu conhecimento se renova, sem moda, nas claras trevas,
na presença de ausência.

Ele isola-se na eternidade sem margens,
dilata-se, salvo pela Unidade que o absorve,

a inteligência dos tranquilos desejos,
votada à perda total na totalidade do imenso:

e aí uma coisa simples lhe é revelada,
não podendo sê-lo – o Nada puro e nu.

É desta nudez que se alimentam os fortes,
a um tempo ricos na sua intuição e privados do inatingível.

Entre aquilo que se atinge e aquilo a que não chegamos não existe medida comum,
nem é possível qualquer comparação:

é por isso que eles se apressam, aqueles que entreviram essa verdade no caminho obscuro,
não traçado, não assinalado, todo interior.

Nesta falta encontram supremo prémio, ela é a sua suprema alegria.
E saibam que sobre isso nada se pode dizer,

a não ser que é necessário afastar o tumulto das razões, das formas e das imagens,
se quisermos, a partir do interior, não compreender, mas conhecer isso.

Aqueles que não se dispersam por outras obras, para além da que aqui foi descrita,
regressam à unidade no seu princípio,

e esta unidade que possuem é tal
que nada de semelhante se pode fazer aqui em baixo com dois seres.

Na intimidade do Uno, essas almas são puras e nuas interiormente,
sem imagem nem figura,

como que libertas do tempo, incriadas,
afastadas dos seus limites na silenciosa latitude.

E neste ponto me suspendo, não encontrando já nem fim, nem começo,
nem comparação que possa justificar as palavras.

Abandono o tema àqqueles que o vivem:
tão puro pensamento feriria a língua de quem disso quisesse falar.

1.3.07

Do Livro das Oferendas...

Friedrich Hölderlin (1770-1843)



Devaneio ao cair da tarde

para António S.


Sentado à porta da cabana, na paz da sombra,
O homem do arado, frugal; o lume arde-lhe na lareira.
Hospitaleiros soam ao viandante na
Tranquila aldeia os sinos da tarde.

Estarão também a regressar ao porto os barqueiros agora,
Em cidades distantes vai-se esvaindo, alegre,
O bulício rumoroso da feira; na paz da latada
Brilha a ceia comum aos olhos dos amigos.

E eu, para onde irei? Vivem os mortais
Da jorna e do trabalho; tudo se alegra
Na alternância de esforço e descanso; porque é que
Só a mim me não dorme no peito nunca o espinho?

No céu, à tardinha, desabrocha uma primavera;
Florescem rosas sem fim e parece tranquilo
O mundo de oiro. Ah, levai-me para aí,
Nuvens de púrpura! E que lá em cima

Em luz e ar tenham fim meu amor e minha dor!
Mas foge o encanto já, como que assustado
Por insensata súplica; escurece, e solitário
Sob o arco do céu, como sempre, eu -

Desce então, sono suave! É de mais o que pede
O coração. Mas tu, juventude, acabas por esfriar,
Tu, sempre inquieta, sonhadora!
Serena e em paz chega finalmente a velhice.



Os carvalhos

para Carlos M.


Dos jardins venho até vós, filhos da montanha!
Dos jardins onde, paciente e pacata, a natureza vive
Tratando, sendo tratada, em companhia dos humanos diligentes.
Mas vós, vós erguei-vos, magníficos, como um povo de titãs
No mundo mais manso, a vós unicamente pertenceis, e ao céu
Que vos deu sustento e criou, e à terra de onde nascestes.
Nenhum de vós alguma vez foi à escola dos humanos:
Felizes e livres irrompeis da poderosa raiz,
Juntais-vos para dominar, como a águia faz à presa,
O espaço com braços fortes, e em direcção às nuvens
Levantais, em esplendor e grandeza, a fronde luminosa.
Um mundo é cada um de vós, como as estrelas do céu
Viveis, cada um um deus, em comunidade livre.
Pudesse eu suportar a servidão, jamais invejaria
Esta floresta, e acomodava-me à vida em sociedade.
Não me prendesse já à vida em sociedade o coração
Que se não liberta do amor, e entre vós preferia morar!



Diotima

para a Cynthia


Vem e acalma, tu que já apaziguaste os elementos,
Glória da musa celestial, o caos dos tempos,
Põe ordem nesta luta com sons de paz dos céus
Até que no peito do mortal se una o que se apartou,
Até que a velha natureza dos homens, calma e grande,
Se erga, poderosa e serena, do tempo impaciente.
Entra no coração carente do povo, beleza viva!
Regressa à mesa hospitaleira e aos templos!
Pois Diotima vive, como as frágeis flores do inverno;
Seu espírito é rico, mas não deixa de buscar o Sol.
Mas o Sol do espírito, o mundo mais belo, afundou-se
E na noite gélida só se ouvem os ventos em fúria.





Mnemosina
(3a. versão)

para Manuel R.


Maduros estão, mergulhados em fogo, cozidos
Os frutos da terra provados, e uma lei diz
Que tudo neles deve entrar, quais serpentes,
Profeticamente, sonhando nas
Colinas do céu. E muita coisa,
Como aos ombros uma
Carga de lenha, deve
Ser preservada. Mas traiçoeiros são
Os caminhos. Em verdade, desavindos
Como cavalos andam os elementos
Prisioneiros, e antigas
Leis da Terra. E sempre
Esta ânsia para o desmedido. Muita coisa porém deve
Ser preservada. E faz falta a fidelidade.
Mas nós nem para diante nem para trás
Queremos olhar. Deixar-nos embalar, isso sim, como
Lago em barco a baloiçar.

Mas, e o que nos é querido? A luz do sol
Vemos no chão, e pó seco
E as sombras dos bosques, familiares, e floresce
Nos telhados o fumo, perto da antiga coroa
Das torres, em paz; bons são então,
Se alguma coisa do céu, a eles se opondo,
Nos feriu a alma, os sinais dos dias.
Pois a neve, como flores de Maio
Símbolizando, onde quer que ela esteja,
A nobreza de ânimo, espalha o seu brilho
Pelo prado verde
Dos Alpes, até meio, lá onde, falando da cruz
Que um dia no caminho foi posta
Para os mortos, na estrada alta,
Um viandante segue, irado,
Cheio de longínquas memórias,
Com o outro; mas isto, o que é?

Junto à figueira me morreu
O meu Aquiles
E Ajax jaz
Perto das grutas do mar,
Dos riachos vizinhos do Escamandro.
O vento a varrer-lhe a fronte outrora, seguindo
O imutável costume da hierática
Salamina, em terra estranha, o grande
Ajax se deu à morte,
E também Pátroclo, mas usando o arnês do rei. E outros
Ainda, muitos, morreram. E junto ao Citéron
Ficava Eleutere, a cidade de Mnemosina. Também a ela,
Quando seu manto o deus depôs, os cabelos lhe soltou depois
Aquele que rege o declínio do dia. Pois os deuses ficam
Agastados quando alguém, para aliviar
A alma, em si não tem mão, mas assim tem de ser;
No mesmo excesso cai o luto.



Empédocles

para Paulo S.


Buscas, buscas a vida, e brota e fulge
Das profundezas da Terra para ti divino fogo,
E tu, num terrífico anseio, lanças-te
No abismo, nas chamas do Etna.

Assim, em vinho dissolveu pérolas a soberba
Da rainha*. Que o fizesse! Bom seria se tu,
Ó poeta, não tivesses sacrificado
A tua riqueza ao cálice de fogo!

Mas sagrado és para mim, como a força da terra
Que te levou, em sacrifício indómito!
Seguir-te-ia eu também para o abismo,
Ao herói, se me não tolhesse o amor.

__________
* Cleópatra (Plínio, História Natural IX, 119)





O que é Deus?…

para José Augusto M.


O que é Deus? Desconhecido, e contudo,
Cheio de sinais dele está o rosto
Do céu. Os relâmpagos não são
De um Deus a ira? Quanto mais
Invisível, mais se dá a ver no que é estranho.
Mas o trovão, de um Deus é a glória. O amor
Da imortalidade a um Deus pertence,
Como o que é nosso.



E pouco saber...

para o José Carlos


E pouco saber, mas alegria muita,
É dado aos mortais,

Porquê, ó belo Sol, me não bastas tu,
Botão das minhas flores, no dia de Maio?
Que sei eu daquilo que é mais alto?

Ah, fosse eu como são as crianças!
Para, como os rouxinóis, sem cuidados cantar
Uma canção que diga o meu prazer!



Porque em nenhum lugar...

para o Manuel G.


...
Porque em nenhum lugar ele tem casa.
Nenhum sinal
O prende.
Nem sempre

Há vaso que o contenha.
...