18.3.07

Do Livro das Oferendas...



Durs Grünbein (1962- )



Imagens que ficam na retina (Sonetos)

para Jorge F. S.

IV
O que me trouxe aqui? Psique e a sua voz...
Para lá de vidro e muros ainda audível
Nos ecos da cidade. As coisas más
Esquecidas, se no que é incognoscível
Não formos logo ao fundo, basta o efeito
De um miar, de um tinir, de uma canção –
Um som a entrar pelos ossos. A vibração
Propaga-se às coisas, como nas pontes.
Gastam-se as ruas, e os canos, onde fores,
Terminam no ouvido, o lugar da saudade
Do que nas caves geme, nas pedras sentes.
Nós morreremos, sem eco, mas a cidade
Clama sempre por novos nomes nos corredores.



Wolf Biermann (1937- )








Precocidade

para Duarte Belo


Hoje de manhã, ainda eu estava bem aconchegado na cama,
um impertinente tocador de campainha arrancou-me do sono.
Furioso e descalço, fui à porta e abri.
Era o meu filho, que,
como era domingo,
tinha ido muito cedo ao leite.

Os que vêm cedo de mais não são vistos com bons olhos.
Mas nem por isso deixamos de lhes beber o leite.



Günter Eich (1907-1972)


Inventário

para Marcelo S.



Isto é o meu boné,
isto é o meu casaco,
aqui, as coisas da barba
no saco de linho.

Lata de conserva:
Meu prato, meu copo,
gravei na folha
o meu nome.

Gravei-o com este
precioso prego
que escondo de
olhares cobiçosos.

No saco do pão tenho
um par de peúgas de lã
e outras coisas
que não digo a ninguém;

assim, de noite, serve-me
de almofada para a cabeça.
Este papelão aqui, está
entre mim e a terra.

Mais que tudo gosto
da mina do lápis:
de dia escreve-me versos
que inventei de noite.

Isto é o meu bloco de notas,
isto é a minha lona,
isto é a minha toalha,
isto é a minha linha de coser.

(Num campo de prisioneiros, 1946)