Ísis e Osíris
O regresso, após tão longa ausência, com aquele que será o poema-síntese do que há de mais significativo no grande romance de Robert Musil O Homem sem Qualidades, de que sairão dentro de semanas os dois primeiros volumes. Ísis e Osíris (ou Ulrich e Agathe, no romance) representam os dois pólos de uma nostalgia do Uno, ou a expressão poética da androginia original – «o outro estado», para o qual se encaminha todo o desenvolvimento do grande romance de Musil nos milhares de páginas do espólio inédito, que sairá lá mais para o fim do ano...
Robert Musil (1880-1942)
Nas folhas das estrelas, deitado na sua
Paz de ouro, o rapaz solar —
E o umbigo da roda da Lua
Voltou-se, para o olhar.
Soprava o vento vermelho do deserto,
Nas praias, nem uma vela por perto.
E a irmã com mão leve soltou
O sexo do rapaz que dormia, para o comer.
Em troca seu tenro coração lhe deu,
Vermelho, e colocou-o no mesmo lugar.
Sarou a ferida no sonho, em seu amplexo,
E ela comeu o adorável sexo.
E eis que a Lua ecoou com estrondo
Quando do sono acordou o irmão,
As estrelas estremeceram, como barcos,
Árvores presas ao cais em sarabanda,
Quando a grande borrasca se levanta.
Olha, os seus irmãos já correm
Atrás de ladrão tão gentil,
Ele lançou-lhes o arco,
E abriu-se o espaço azul,
Cede a floresta aos seus passos
E as estrelas seguem-na a espaços.
Mas, por mais que corresse, ninguém a alcançou,
À bela fugitiva dos ombros de pássaro.
Só encontra o rapaz, que na noite chama,
Quando mudam e se cruzam Sol e Lua.
Entre cem irmãos, apenas aquele —
Para que lhe coma o coração, e ela o dele.
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