29.4.07



Hölderlin
(1770-1843)

Como em dia de festa...

para a MGL e a Hélia


(versão tacteante, em busca de tom e cor para um novo Hölderlin em português...)

Como em dia de festa, quando o homem do campo
Sai pela manhã para olhar a sementeira, quando
Da noite quente desceram fogos refrescantes
Sem parar, e longe ainda se ouve a portentosa vibração dos ares,
De novo ao leito se acomoda o grande rio,
E o verde da terra se renova
E a chama do céu alegra
A cepa gotejante e no seu brilho
Crescem para o sol tranquilo as árvores do bosque ______

Assim se erguem em tempo propício
Aqueles que nenhum mestre até ao fundo forma,
Moldados só pela poderosa natureza, divinamente bela,
Omnipresente e rara na leveza do seu abraço.
Por isso, quando ela, em certas épocas do ano, parece dormir
No céu ou entre as plantas e os povos,
Também os rostos dos que adensam a palavra se entristecem,
Parecem estar sós, mas são sempre futuro.
E ela própria, futurando, repousa também.

Mas desponta já o dia! Esperei e vi-o chegar,
E o que vi, o sagrado, seja minha palavra.
Pois ela, ela mesma, mais antiga que os tempos
E senhora dos deuses de Ocidente e Oriente,
A natureza, acordou agora com fragor de armas;
E das alturas do éter até aos abismos,
Seguindo a firme lei das origens, gerado do sagrado caos,
Uma vez mais se sente
O júbilo da alma que tudo cria.

E como a chama que nos olhos do homem se acendeu
Ao conceber coisas sublimes, assim também
Se incendeia de novo com os sinais, com os feitos do mundo,
Um fogo na alma dos que adensam a palavra.
E o que outrora aconteceu sem quase ser sentido
Só agora é revelado,
E podemos chamar pelo nome as fontes da vida
Que a sorrir nos lavraram a terra
Em figura de escravos: pujança viva dos deuses.
Tens perguntas para eles? No canto sopra o seu ruah
Quando brota do sol do dia e da terra quente
Ou das vibrações troantes do ar, e de outras
Que, mais preparadas no fundo dos tempos
E mais grávidas de sentido, a nossos olhos mais legíveis,
Se passeiam entre céu e terra e entre os povos
São pensamentos do espírito do mútuo
Que culminam no silêncio da alma dos que adensam a palavra,

De tal modo que ela, ferida, há muito tempo
Hóspede da casa do infinito, estremece na lembrança
E, incendiada pelo fogo sagrado,
É-lhe dado conceber em amor a obra de deuses e homens,
O dom do canto, que de ambos dará testemunho.
Assim desceu, como dizem os que a palavra adensam,
Sobre a casa de Semele, presa do desejo de ver o deus,
O seu raio dardejante, e a mulher atingida
Pariu o fruto da portentosa vibração do ar, Baco, sagrado.

E por isso os filhos da Terra bebem
Agora o fogo celeste, sem perigo.
Mas cabe-nos, sob os trovões do deus,
A nós e a vós que adensais a palavra, permanecer de cabeça nua
E com a própria mão agarrar o dardo divino,
Ele mesmo, e oferecer à luz comum
a edénica dádiva que o canto oculta.
Pois se formos sem impostura, como as crianças,
E nossas mãos sem culpa,

Não as queimará o fogo puro do pai,
E no mais fundo âmago tocado, sofrendo as dores do mais forte,
No meio das tempestades do deus que do alto descem
Quando ele se aproxima, o coração não vacila.
Mas que fazer quando ___________

Que fazer?

E se eu disser

Que me aproximei para contemplar os do céu,
Eles mesmos me lançarão para o abismo dos vivos,
Para as trevas, a mim, falso oficiante, para que eu,
Com um canto de aviso, mate a sede aos que querem aprender.
Lá, nesse lugar ____________

12.4.07

Walther von der Vogelweide
(c. 1170-1228/1230?)
Médio Alto Alemão



ELEGIA

Ai de mim, para onde foram / os anos da minha idade?
Sonhei toda a minha vida, / ou será realidade?
Era mesmo verdadeiro / o que por vero tomei?
Se o era, andei a dormir, / agora já nada sei.
Agora, que estou desperto, / vejo que foi ilusão
o que antes eu conhecia / como a palma desta mão.
A terra e as gentes que a mim de pequeno me criaram,
agora acho-as tão estranhas / como se nunca existiram.
Os que comigo brincaram / estão velhos e cansados.
Os baldios hoje são searas, / os bosques estão cortados:
não corresse ainda a água / como outrora corria,
e juro que o meu desgosto / mui grande seria.
Hoje já mal me saudam / os meus amigos de antanho,
nunca pensei que i houvesse / um desconsolo tamanho.
Quando nos dias felizes / hoje me ponho a cismar
que deixei fugir assim / como uma rede no mar,
mais digo: ai de mim, coitado!

Ai, que jeito triste este / de a gente nova se dar,
dos que antes tão delicada / tinham a maneira de ser!
Hoje só sabem resingar: / ai, por que serão assim?
Para onde quer que me vire, / alegre não há nem um.
Dançar e rir e cantar / vão-se, de tanto cuidado:
nunca até hoje ninguém viu / bando tão acabrunhado.
Vejam só nossas mulheres / e os toucados que trazem:
e os garbosos cavaleiros / que trajos do campo usam.
Chegam de Roma inquietantes / letras para nos obrigar
a andar sempre de luto / e a nunca nos alegrar.
Era boa a nossa vida, / e o que me dá raiva agora
é ter de trocar por pranto / o nosso riso de outrora.
Até as aves dos campos / estão mais tristes cada dia,
que admira então, se eu próprio / perdi a minha alegria?
E assim vou falando, irado, / buscando, pobre de mim,
as delícias deste mundo - / as do outro já perdi!
E digo: ai de mim, coitado! /

Ai, fomos envenenados / com doenças a granel!
Já vejo o fel a boiar / no meio do doce mel:
o mundo por fora é belo, / branco, verde e encarnado,
mas por dentro é todo negro, / e pela morte ensombrado.
Quem por ele se perdeu, / que procure consolação:
com pequena penitência / achará a salvação.
Atentai bem, cavaleiros, / que esta causa é a vossa.
Vós, que usais elmos brilhantes, / e essa armadura grossa,
e também escudos fortes / e a espada consagrada.
Quisesse Deus que a mim / tal bênção me fosse dada!
Então este pobre homem / rica paga iria ter,
mas não de terras e ouro / que isso é cousa de senhor:
se assim fosse, eternamente / aquela coroa ia usar
que um soldado e sua lança / já puderam conquistar.
Pudesse eu nessa viagem / pelo mar ir embarcado,
ia cantar de alegria / e não dizer: ai, coitado,
e não dizer: ai, coitado.